A sociedade “secreta” dos colaboradores de Nicolas Bourbaki foi tema de artigo na Quanta Magazine. As origens e longevidade do grupo seriam suficientes para escrever boas histórias, mas foi o comentário da professora Lillian Pierce (Duke University) que me chamou a atenção:
“It’s sort of hard to imagine a group of young academics right now, people without permanent lifelong positions, devoting a huge amount of time to something they’ll never get credit for […] This group took this on in a sort of selfless way.”
Milton Santos, no pronunciamento de 1997, argumentou que a “universidade não é o lugar da pressa” (p.19). Desenvolver e discutir o mesmo texto por 10 anos é tarefa impossível na academia que eu conheço. Você pode encontrar programas amplos de pesquisa com esta duração, compostos por centenas de entregas parciais envolvendo dezenas de pessoas, objetivos, métodos e resultados esperados.
O mesmo texto curtido, cozido, escrutinado e lapidado por 10 anos é impensável, ao menos na minha realidade. Os editais não esperam, as equipes mudam, as monografias, dissertações e teses são defendidas, o currículo Lattes precisa engordar e a progressão funcional acontecer. Outra lembrança dura de Milton Santos — o “carreirismo” é abominável.
Ainda que a possibilidade de esperar esteja no horizonte, a década de dedicação não poderá aparecer no currículo, gerar convites, palestras ou ajudar a vencer editais. A sociedade dos Bourbaki assina o trabalho, mantém o anonimato e não enfatiza as contribuições individuais de seus membros.
É difícil saber como a mitologia que envolve a sociedade afeta concretamente a carreira dos participantes. Para mim, a “resistência” dos Bourbaki à dinâmica da indústria acadêmica preserva aspectos importantes da prática científica. Uma professora que eu tive dizia que as ideias precisam “decantar”.
Em tempos marcados por crises de replicação, condutas científicas questionáveis e lemas como “publicar ou perecer”, os Bourbaki parecem alienígenas.
Por outro lado, são reais as avaliações de que eu teria escrito aquele trabalho de 2010 (ou 2011, 2012, 2013…) de outra forma se tivesse mais tempo. Ou que deveria ter lido aquele texto denso mais 20 vezes, discutido outras 100 e checado todas as referências citadas pelos autores, uma por uma.
Existe a opção de praticar slow science, mas aqui estou eu blogando.