Na última sexta-feira (06/11), retomamos o grupo de estudos do laboratório de pesquisa que coordeno. Até este momento da pandemia, realizamos apenas encontros de trabalho para continuar ou concluir projetos que aconteciam presencialmente até março. Foi revigorante voltar a discutir temas sem relação direta com tarefas em andamento. Esses momentos são centrais na formação de todos no laboratório, na medida em que textos específicos sobre “design” são exceções no cardápio.
Começamos pela leitura de “O intelectual e a universidade estagnada”, pronunciamento realizado por Milton Santos em 1997, quando recebeu o título de Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
Eu fiz vestibular no ano do pronunciamento e a primeira leitura ocorreu quase duas décadas depois (~2015). A concepção de intelectual independente abordada no texto é uma bússola para muitas escolhas que faço. Meu objetivo com o debate foi pensar o papel das universidades e de laboratórios como o nosso no momento atual.
Entre os membros do Loop, a maioria na graduação em design, certos apontamentos do autor provocaram reflexões sobre a hierarquia entre áreas, cursos e saberes acadêmicos na universidade, bem como entre diferentes atores da comunidade acadêmica - estudantes, professores, técnicos educacionais e administração central.
Milton Santos (p.17) defendeu que
A universidade, aliás, é, talvez, a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é à morte, pois seu destino é falar.
Os estudantes argumentaram que, dependendo de sua “posição” na hierarquia (p.ex. estudantes ou professores de design versus medicina; ou humanidades versus exatas e saúde), suas críticas não serão ouvidas nem consideradas. Os relatos incluíram experiências em cursos de áreas afins em outras instituições, evidenciando a falta prestígio institucional dos cursos “menores”. A precariedade nesses cursos decorreria da assimetria no tratamento dado pela instituição, como no caso da crise do orçamento da Ufes (2019): Centro de Artes no calor, Centro Tecnológico no ar condicionado.
Certamente, esta pode não ser a realidade de outras instituições públicas e privadas do país. No nosso caso, a caminhada pelo campus de Goiabeiras seria suficiente para sustentar o argumento da posição desprestigiada.
Esta posição teria encarnações fora dos muros da universidade, pois os estudantes citaram a falta de reconhecimento social ao investimento que fazem para se formarem designers. Empregadores e familiares desconheceriam e seriam indiferentes à função social do profissional de design. Estas reclamações são anteriores à minha graduação (1998-2003) e infelizmente persistem, apesar do crescente furor do design no mercado.
Pode-se fazer exercícios especulativos para entender a perspectiva dos estudantes: em momentos de crise ou bonança, quais são as formações dos atores convocados para colocarem suas especialidades à serviço da comunidade? Representatividade é importante para todo profissional em formação.
Por fim, as avaliações sobre as possibilidades reais de crítica à universidade e na universidade são essenciais, especialmente considerando a percepção de estudantes que ingressaram por políticas de inclusão social. Há resultados positivos documentados da ampliação do acesso ao ensino superior no Brasil, mas precisamos discutir a qualidade desta inclusão e o quanto as hierarquias universitárias estão dispostas a mudar frente às críticas e aspirações dos “novos” ingressantes.
O curso de design é elitizado. Parafraseando Milton Santos, é internacional em vez de universal: norteado por nomes, escolas e movimentos importados; dependente de aplicações monopolísticas de empresas como Adobe, cujo cenário de uso “ideal” envolve computadores inacessíveis da Apple; e formando pessoas segundo abordagens colonizadoras como design thinking.
Há muitas críticas a fazer, Milton.